AS PALAVRAS QUE DIZEMOS...
Abomino certas palavras
Letras e sílabas ligadas
Habilmente manipuladas
Sobretudo quando somadas
Fazem a injusta sentença
A discussão, a desavença
Ou então a frase extensa
De quem não diz o que pensa
Escuto-as no dia a dia
Com prazer ou arrelia
Palavras, palavras, palavras
Exaltadas
Sussurradas
Destemperadas
Ou então inflacionadas
Por serem de circunstância
Podem trazer a jactância
Que impõe distancia
Ou a ingenuidade da infância
Palavra – no singular
Pode – às vezes - significar
Que quem acaba de a dar
Terá de a honrar...
E na circunstância, ocorre-me o que disse a propósito o poeta Egito Gonçalves no seu poema:
Com palavras (*)
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
E saio para a rua.
Com palavras — inaudíveis — grito
Para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
Em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
Para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
Roxas de silêncio. De que servem
Asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
As que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
As poderei navegar; se alguma vez
Dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
E faltam-me palavras para contar...
(*) Poema do livro "Sonhar a Terra Livre e Insubmissa" : 04/03/2005