Ouvimos o que estamos à espera de ouvir (e às vezes também ouvimos o que não queremos, mas isto é só quando escutamos o que não devemos)...
Centremo-nos por agora apenas na primeira afirmação que me ocorreu a propósito da formação de formadores que estou a frequentar e de uma história que se costuma contar em quase todas as acções de formação onde o assunto “comunicação” é abordado:
OUVIMOS O QUE ESTAMOS À ESPERA DE OUVIR
A história que se segue aconteceu num país onde estava em vigor uma agressiva política de favorecimento à natalidade. A grande necessidade de mão-de-obra e a existência de um governo autoritário, propiciaram a aprovação de legislação que obrigava os casais a terem um determinado número de filhos. Havia uma tolerância máxima de cinco anos, ao fim dos quais, caso não houvesse um resultado concreto, o governo designaria um agente para auxiliar o casal.
(A primeira cena tem lugar no apartamento do casal, logo ao amanhecer).
Mulher – Querido, hoje completamos o nosso quinto aniversário de casamento!
Marido – É, meu amor, infelizmente ainda não conseguimos um herdeiro...
Mulher – Será que eles vão enviar o tal agente?
Marido – Não sei...
Mulher – E se ele vier?
Marido – Bem, se ele vier, eu não tenho nada a dizer.
Mulher – E eu menos ainda!
Marido – Adeus então meu bem. Já estou atrasado para o trabalho.
(A segunda cena tem lugar no mesmo apartamento, pouco após a saída do marido. Um fotógrafo enganou-se no endereço de um cliente e bateu à porta da mulher da nossa história).
Fotógrafo – Bom dia! Eu sou...
Mulher – Ah! Já sei... Pode entrar!
Fotógrafo – O seu marido está em casa minha senhora?
Mulher – Não! Saíu há pouco para trabalhar!
Fotógrafo – Presumo que ele esteja a par...
Mulher – Sim, sim ele está a par e também concorda...
Fotógrafo – Óptimo! Então vamos começar!
Mulher – Mas... já? Assim tão rápido?
Fotógrafo – Preciso de ser breve, pois ainda tenho mais casais para visitar hoje!
Mulher – Puxa! E o senhor aguenta?
Fotógrafo – Sim, aguento! Gosto muito do meu trabalho, dá-me prazer!
Mulher – Então como vamos fazer?
Fotógrafo – Permita-me sugerir: uma no quarto, duas no tapete, duas no sofá, uma no corredor, duas na cozinha e a última no na casa de banho!
Mulher – Credo!... Não é muito?!
Fotógrafo – Minha senhora, nem o melhor artista da nossa profissão consegue à primeira tentativa. Numa dessas, a gente acerta na “mosca”!
Mulher – O senhor já visitou alguma casa deste bairro?
Fotógrafo – Não, mas tenho comigo algumas amostras dos meus últimos trabalhos (enquanto mostrava fotos de várias crianças perguntava): Não são lindas?
Mulher – Sim, são lindas! Que lindos bebés! Foi mesmo o senhor quem fez?
Fotógrafo – Sim, estas últimas foram feitas num supermercado!
Mulher – Ui! Não lhe parece demasiado público?
Fotógrafo – Sim, mas a mãe era artista e queria publicidade!
Mulher – Eu não teria coragem de fazer isso...
Fotógrafo – Esta aqui foi em cima de um autocarro!
Mulher – Que horror...
Fotógrafo – E foi também um dos serviços mais duros que fiz...
Mulher – E eu imagino...
Fotógrafo – Veja este! Foi feito num parque de diversões em pleno inverno!
Mulher – Credo... E como conseguiu?
Fotógrafo – Não foi fácil! Como se já não bastasse a neve a cair, ainda havia uma multidão a cercar-nos. Foi preciso a ajuda de seis guardas para tirarem as pessoas de cima de nós, de contrário eu nunca teria conseguido fazer o meu trabalho.
Mulher – Ainda bem que eu sou mais discreta e não quero que ninguém nos veja...
Fotógrafo – Óptimo! Eu também prefiro assim! Agora se me dá licença, vou armar o meu tripé!
Mulher – T R I P É?! Para quê?...
Fotógrafo – Bem minha senhora, é necessário! O meu aparelho, além de pesado, depois de pronto para funcionar mede quase um metro!
...................... E A MULHER DESMAIOU.......................
Quantas vezes não nos têm acontecido situações trágico-cómicas como a da mulher da história só porque, demasiado apressados em quase tudo o que fazemos, captamos a "mensagem" pela rama e deduzimos o que nos parece óbvio, para encurtar caminho?
Este caso verídico que se passou comigo há já alguns anos ilustra bem, como uma leitura demasiado apressada de uma "mensagem" nos pode induzir numa susessão de erros e equívocos, às vezes bem desagradáveis:
Para quem conhece a marginal de Gaia (já não passo ali há uns tempos e não sei se ainda é assim...) vindo de Sul em direcção à Ponte D. Luis e logo a seguir ao antigo Convento Corpus Christi, em determinada altura existia um sinal de trânsito - "sentido proibido" com a indicação (se calhar, demasiado pequena) "PESADOS".
Pois não é que durante meses em que por ali passei de carro, me obrigava sempre a voltar à direita, indo dar uma grande volta, para vir sair na Ponte?
Tudo isto, só porque da primeira vez que ali passei, "li" o sinal demasiado depressa!
(Às vezes via outros carros que me antecediam a seguir em frente, mas deduzia que se tratasse de moradores com direito a excepção)...