A GREVE E O "RICOCHETE"...
A greve geral de hoje, tem motivações bem mais abrangentes - em relação aos objectivos e aos adversários em presença, dificilmente enquadráveis no tipo de motivações mais comuns de todo o histórico das lutas recentes dos trabalhadores portugueses. Tem a ver com a situação do País e com o caminho para onde nos conduzem as políticas pedidas/aceites por quem foi eleito para nos governar, mas abdicou desse direito/dever em favor de uma troika "eleita" pelo capital internacional - que indirectamente, é quem mais ou menos sub-repticiamente governa na Europa da União, mas que no caso concreto de Portugal, governa de facto e directamente.
Como antigo sindicalista que fui - primeiro, activista e depois dirigente - sei por experiência feita, que a "mecânica" das greves, é relativamente simples: "que prejuízos é que a falta do meu trabalho provocará nas finanças do patrão", sendo que no balanço entre os interesses (ou prejuízos) das duas partes, a greve pode ser a alavanca para resolver a situação a favor da parte mais vulnerável, devido as efeitos de escala - um só não conseguiria nada, mas cem mil ou um milhão já podem conseguir.
O problema da greve de hoje, é que do outro lado da barreira, não está o patrão, um sector específico de actividade, uma corporação. Do outro lado, está um governo manietado - se quisermos ser mais benévolos na apreciação que possamos ter da situação - ou pior do que isso, conivente com a "governação" externa que pediu, recebeu e não questionou quando lhe foram impostos os objectivos e os métodos de governação a implementar.
E quando os interesses em presença são deste tipo, a parte mais vulnerável perde sempre - mesmo que "ganhe" na guerra dos números que agora se vai seguir.
A troika impôs metas e doa a quem doer, passe o "cilindro" por cima de quem passar, elas hão-de ser cumpridas!
Os prejuízos que uma greve convencional contra "inimigos" convencionais visa provocar, funcionam portanto, como factor dissuasor relativamente à tentativa de implementação de certas medidas consideradas lesivas, ou recusa de outras que se pretenda alcançar.
No caso de hoje, vão transformar-se numa espécie de ricochete - o projéctil vai regressar-nos às mãos com um impacto provavelmente bem mais violento e nocivo do que aquele com que terá atingido apenas de raspão o "inimigo" - e digo "nos", porque o ipacto vai atingir não apenas os autores do "disparo" mas todos os que estejam à sua volta!
A greve é uma arma e como todas as armas só resulta se for usada de forma adequada em primeiro lugar, e se do seu uso, não resultarem mais efeitos colaterais nocivos do que os que directamente se pretenda obter com o recurso à mesma.
Acho que infelizmente, hoje vai haver mais estragos, mais "mortos e feridos", mais estropiados e mais desalojados "do lado dos bons", que do lado do "inimigo".
E por fim, há este facto perfeitamente perverso do momento actual que se vive em Portugal: a greve é uma arma ao alcance de cada vez menos gente - porque o "exército" daqueles que têm um emprego, seja ele muito ou pouco estável, tem cada vez menos "efectivos".
Caso para dizer que hoje em dia, ter motivos e possibilidade de fazer greve, já é em si mesmo um privilégio!