ALFENA - A DERROTA DOS CUCOS EUSÉBIOS...
Quando há 23 anos vim morar para Alfena, a nossa aldeia era simplesmente isso, uma aldeia onde os carros de bois ainda circulavam pelas principais vias de comunicação – incluindo a minha rua - os campos que ainda existiam eram lavrados e cultivados, a Nacional 105, no troço que atravessa o nosso burgo, agora designado por Rua 1º de Maio, ainda era em paralelepípedo e na Primavera - pasme-se! ainda ouvíamos o cuco cantar nos arvoredos das margens do Leça.
Depois, veio o progresso, plantaram cimento e alcatrão nos campos, venderam os bois e os carros para comprarem outros carros – com quatro rodas e puxados por cavalos virtuais - substituíram o chiar dos eixos das rodas dos primeiros pelo relinchar (roncar) da força motriz dos segundos.
Com todas estas alterações, os cucos – e também as águias, os corvos (ou gralhas), as poupas, os gaios e outras espécies - que ao longo de décadas conviviam pacificamente com o normal bulício da aldeia, foram recuando, recuando, fugindo da diferente e mais barulhenta vida semiurbana da freguesia, depois vila e agora cidade a crescer, onde os decibéis passaram a ser diferentes, mais elevados e a incomodar muito mais.
Quando demos por isso, já não os tínhamos por cá nem aos seus cantares, aos seus grasnares, ou simplesmente aos seus voos exploratórios sobre o território na busca de subsistência ou na escolha dos melhores locais para a nidificação anual.
(Bem... há que abrir aqui um parênteses em relação a um dos mencionados: o cuco, porque quanto a esse como todos sabemos, nunca perdeu tempo com essas preocupações do alojamento da prole, dado o seu hábito de sempre, de pôr um ovo no ninho de outra espécie (rouxinol por exemplo) comendo um dos existentes, para que a dona do ninho não desse pela troca, garantindo assim a continuidade da espécie. À custa do trabalho alheio).
O último registo que temos sobre a presença desta engraçada, preguiçosa e socialmente irresponsável ave canora por estas bandas, foi quando um exemplar de uma subespécie, chamada Eusébios - não confundir com o exemplar macho com o mesmo nome (no singular) de uma lontra do Oceanário de Lisboa - que tentou pôr o dito ovo no ninho de uma espécie autóctone designada por “Bandeirinha”, numa Quinta com o mesmo nome que integra o património relevante do nosso burgo.
No caso em apreço, o cuco Eusébios chegou a terras de Alfena às cavalitas de um OVNI, com uma escolta composta por um Pinto e mais um ou dois exemplares de conhecidas espécies voadoras locais.
Não cantava – pelo menos que se desse por isso – mas garante quem com ele e restante bando se cruzou, que trinavam em uníssono, emitindo uma estranha melodia de efeitos hipnóticos, induzindo nas vítimas que marcavam para parasitar, uma estranha predisposição para colaborar com eles, pondo o ninho à sua disposição e tudo o mais que eles resolvessem pedir.
Portanto, o dito cuco – e restantes – chegaram, trinaram melodicamente, durante vários dias, até convencerem os “Bandeirinhas”, a abdicarem da sua opção quanto à pretendida remodelação do ninho de acordo com os respectivos gostos pessoais e aceitarem as regras impostas pela “entidade reguladora da construção de ninhos em espaço municipal”, um organismo sediado numa casa grande de Vallis Longus, gerida por homens inteligentes e especialistas na construção de ninhos especiais - uma designação pomposa para uma ideia de um dos voadores do bando que possui um “gabinete local de arquitectura e construção de ninhos”, muito conhecido no burgo – nem sempre pelos melhores motivos.
O pior, foi quando os “Bandeirinhas” acordaram do estado de hipnose e descobriram que além dos ninhos novos – e diferentes - seria acrescentada ao projecto da Quinta, uma espécie de rotativa de impressão de euros, os quais transitariam directamente e segundo um engenhoso sistema de condutas, para os bolsos, perdão, para os papos dos elementos do bando, passando provocatoriamente ao lado dos bicos dos donos do ninho original.
Foi o fim de um sonho – para os pássaros parasitas – e em contrapartida, o acordar de um pesadelo para a espécie autóctone dos “Bandeirinhas” que graças à ajuda de outras aves amigas da região, conseguiram correr de Alfena com o cuco da subespécie Eusébios, com o Pinto e restantes voadores do bando, bem como com a Objecto Voador não Identificado em que se faziam deslocar, o qual teve de levantar voo a alta velocidade rumo ao enclave de Vallis Longus.
Mas para que ninguém fique com a ideia (errada) de que terá existido aqui uma espécie de nexo de causalidade, entre o estardalhaço provocado pela expulsão do cuco Eusébios e respectiva escolta e o desaparecimento dos restantes cucos cujo canto tanto nos alegrava na Primavera, isso não corresponde à verdade, pois o cultivo do cimento e do alcatrão, o roncar dos cavalos virtuais puxando os bólides de quatro rodas, já vinha de trás e já há muito que eles tinham optado por recuar estrategicamente mais para o interior em busca de maior tranquilidade e de mais abundante e frondoso arvoredo.