CÂMARA DE VALONGO - A DEMOCRACIA DOSEADA E A CONTIDA LUCIDEZ... ...
Não é tradição deste blogue publicar textos ou trabalhos muito extensos, mas o que se segue - pela sua relevância, pela rigorosa desmontagem que procura fazer de um documento recentemente dado à luz pelo colectivo que gere os destinos da Câmara e mais conhecido entre a população como "comissão liquidatária", que é quem agora orienta as semanais (?) reuniões deste Órgão - merece ser excepção.
Neste excelente trabalho da autoria do presidente da Direcção da Associação Coragem de Mudar, ele disseca e avalia criticamente o novo (ou recauchutado) Regimento da Câmara. Como se verá a seguir:
Por se tratar de um trabalho - o Regimento - que levou tanto tempo a redigir, a discutir e finalmente a aprovar, o mínimo que se esperaria é que o Dr. João Loureiro Castro Neves não tivesse motivo nem assunto que pudesse justificar este trabalho. A verdade é que teve e por isso - excepção aberta no Blog - aqui vai ele:
Regimento da Câmara Municipal de Valongo,
Aprovado em 08.03.2012
Algumas Notas
Nota introdutória
1. Por motivos pessoais e por estar bastante tempo fora de Valongo, não me apercebi de que o Regimento da Câmara estava a ser revisto. Quando me dei conta do facto, ele já estava ao que parece pronto, visto que foi votado uns dias depois.
De qualquer modo, não me apareceu, particular ou institucionalmente, notícia de qualquer proposta ou projecto de Regimento, em discussão pública ou privada. Soube da sua aprovação, por unanimidade, através da diligência amiga de um conterrâneo, que solicitamente mo fez chegar.
Ao lê-lo, senti as perplexidades de que aqui dou conta, esperando deste modo, já que outro não foi possível, contribuir para o seu aperfeiçoamento futuro.
1.1. No sítio da Câmara, este Regimento aparece isolado, (http://www.cm-valongo.pt/documentos/Regimento-da-Câmara-Municipal-de-Valongo.pdf) sem qualquer referência ao Regimento anterior. A própria deliberação, de 08.03.2010, não esclarece se este é um novo Regimento ou se é, como à primeira vista parece, uma alteração do Regimento anterior. De qualquer modo, este já não existe no sítio do Regimento camarário.
Antes da emergência do Código do Procedimento Administrativo, a entrada em vigor de um diploma novo, de qualquer espécie, determinava a revogação implícita das normas anteriores que com as novas fossem incompatíveis, mesmo que ele o não dissesse (artigo 7º/2, do Código Civil). Agora, porém, o CPA impõe que os novos regulamentos façam “sempre a menção especificada das normas revogadas” (artigo 119º/2, do CPA), como acontece no presente caso, visto que havia um Regimento anterior a este.
Dado que o diploma publicado como Regimento da Câmara não possui qualquer menção deste tipo, começamos a sua leitura sem saber se ele é novo – e por conseguinte contém todos os artigos em vigor, embora esquecendo a exigência do CPA – ou se ele é apenas uma alteração, que deve ser inserida no local próprio do Regimento antigo, ainda que de novo ignorando a exigência do CPA.
Esta é a primeira questão genérica.
1.2. A segunda questão respeita a saber se este Regimento, como regulamento que é, deveria ou não ter sido submetido a discussão pública, aprovado pela Assembleia Municipal e publicado no Diário da República.
Os termos da discussão são conhecidos:
a. O artigo 53º/2/a), da LAL, manda “Aprovar as posturas e regulamentos do município com eficácia externa”;
b. O artigo 64º/1/a, da mesma LAL, diz que compete à Câmara “Elaborar e aprovar o regimento” (o seu, entenda-se);
c. Por “regulamentos do município com eficácia externa” devem ser entendidos aqueles que afectam terceiros fora do âmbito de funcionamento dos serviços municipais e que se contrapõem aos “regulamentos internos”, que precisamente se aplicam apenas aos serviços municipais.
1.3. Durante os primeiros anos do regime democrático, citava-se o regimento das Câmaras como o exemplo típico do regulamento interno, assim como se aludia aos regulamentos de água ou saneamento, como exemplos típicos de regulamentos de eficácia externa.
A anterior lei das autarquias, o Decreto-lei 100/84, de 29.03, continha o n.º 4 do artigo 78º que dizia:
“4 - Encerrada a ordem de trabalhos, a câmara municipal e a junta de freguesia fixarão um período de intervenção aberto ao público, durante o qual lhe serão prestados os esclarecimentos que solicitar”
Porém, a maioria dos Regimentos não reflectia esta norma e as Câmaras limitavam-se a deliberar a autorização de perguntas no final da ordem dos trabalhos de cada reunião. De qualquer modo, a ideia de inserir normas no Regimento foi fazendo o seu caminho, demorando o seu tempo.
1.4. O entendimento começou a alterar-se após a publicação da actual Lei das Autarquias Locais, Lei 169/99, de 18.09.1999, que veio dispor, no seu artigo 84º/5, sobre a possibilidade e o direito de os munícipes se fazerem ouvir nas reuniões dos executivos, de modo idêntico ao da lei anterior:
“Nas reuniões mencionadas no n.º 2, encerrada a ordem do dia, os órgãos executivos colegiais fixam um período para intervenção aberta ao público, durante o qual lhe são prestados os esclarecimentos solicitados”.
A alteração do entendimento deveu-se mais à evolução da doutrina da participação do que ao texto da lei, que é idêntico ao anterior e que como tal foi mantido pela Lei 5-A/2002, de 11.01.
1.5. A partir do momento em que os Regimentos das Câmaras passaram a incluir normas que regulamentam o acesso dos cidadãos à participação nas reuniões camarárias, tornou-se claro que os Regimentos tinham deixado de ser puros regulamentos internos, para passarem a ser regulamentos mistos ou híbridos: internos e de eficácia externa.
Nesta medida, parece que eles devem ser submetidos a discussão pública, apresentados à A. M., para aprovação, e, se o forem, publicados no Diário da República (artigos 114º a 119º do CPA).
Notas sobre os artigos
2. Artigo 2º
1. O n.º 1 deste artigo 2º diz:
“A Ordem do Dia é estabelecida pelo Presidente de Câmara e entregue a todos os membros da Câmara com, pelo menos, dois dias de antecedência, excepto quando se trate de documentos estruturantes, nomeadamente, orçamentos, contas e planos, casos em que o prazo será, pelo menos, de cinco dias úteis de antecedência”.
O prazo de 2 dias para envio da ordem do dia (para os casos correntes) ou de 5 dias (quando contenha documentos “estruturantes”) é manifestamente curto. Não creio que este prazo seja aceitável. É uma questão de senso prático.
É possível que tal prazo seja o mais conveniente para a Câmara e seu funcionamento e, por isso, ela contou apenas com esse interesse. Porém, o prazo é curto para dar a conhecer a ordem do dia e os respectivos documentos aos munícipes que se interessem pelos assuntos municipais e que, com tais prazos, nunca terão tempo para, pelo menos, ler, e, muito menos, para consultar qualquer informação com eles relacionada.
Como os cidadãos são agora, nos termos da lei e do Regimento, igualmente parte interessada, é preciso ouvir os seus interesses e satisfazê-los, quando é possível e aceitável, como parece ser o caso.
Há uma excepção, no artigo 10º, quanto à convocação das reuniões trimestrais descentralizadas, em que a respectiva deliberação será publicada por edital com uma antecedência de 30 dias, o que, aqui sim, se pode considerar um prazo razoável.
2. Por outro lado, o n.º 3 do artigo 62º da Lei das competências e funcionamento das Autarquias Locais (Lei 169/99, de 18.09, alterada pela Lei 5-A/2002, de 11.01 - LAL), que não marca prazo para a convocação da reunião e comunicação da ordem do dia e respectivos documentos (ao contrário do artigo sobre reuniões extraordinárias, que veremos) diz que
“Quaisquer alterações ao dia e hora marcados para as reuniões devem ser comunicadas a todos os membros do órgão, com três dias de antecedência, por carta com aviso de recepção ou através de protocolo.”
Se a simples alteração do dia e da hora implica carta com aviso de recepção ou protocolo e comunicação com três dias de antecedência, parece que a informação da ordem do dia com toda a documentação inerente deverá merecer uma antecedência mais alargada.
3. O artigo 62º da LAL permite a realização de uma reunião ordinária semanal ou quinzenal. Porque é que ele não estabelece prazo para a convocação das reuniões ordinárias (e consequente distribuição da ordem do dia e da documentação a ela respeitante)? Porque ele prevê que, por deliberação da Câmara ou, na falta desta, por decisão do Presidente haja duas formas possíveis de convocação: ou através de editais, que estabeleçam dia e hora certos para as reuniões, bem como a periodicidade (e, neste caso, a marcação de prazo seria inútil, visto que ele estaria assim marcado ad infinitum, até ser revogado) ou, no caso de o não fazerem, através de deliberação ou decisão casuística.
No entanto, o artigo 84º, da LAL, que dispõe sobre “Reuniões públicas” dos órgãos deliberativos e executivos, diz, no n.º 3:
“Às sessões e reuniões mencionadas nos números anteriores deve ser dada publicidade, com menção dos dias, horas e locais da sua realização, de forma a garantir o conhecimento dos interessados com uma antecedência de, pelo menos, dois dias úteis sobre a data das mesmas”. (Sublinhado agora).
Por sua vez, artigo 87º da LAL, sob a epígrafe “Ordem do dia”, diz que ela “é entregue a todos os membros com antecedência sobre a data do início da reunião de, pelo menos, dois dias úteis, enviando-se-lhes, em simultâneo, a consulta da respectiva documentação”.
Este prazo – dois dias úteis – é o prazo mínimo, expresso e imperativo, pelo que a disposição do Regimento, falando de “dois dias”, taxativamente, restringe aquele prazo legal e assim viola a Lei das Autarquias Locais.
4. O artigo 63º, da LAL, sobre reuniões extraordinárias, diz que elas serão convocadas com a antecedência de “pelo menos, dois dias úteis de antecedência, sendo comunicadas a todos os membros por edital e através de protocolo.”
Sublinhei dois segmentos do texto citado para relevar, quanto ao primeiro, que a norma se apresenta como definitiva e supletiva, em relação ao prazo mínimo (“pelo menos”) e autorizadora, no que toca a prazos mais alargados.
Quanto ao segundo segmento sublinhado, ele confirma a orientação legal do artigo 84º e traduz uma alteração importante relativamente à marcação do prazo referida no artigo 62º/3, já que fala em dias “úteis”, o que pode implicar, como se percebe, uma substancial diferença.
5. É certo que o CPA fala em 48 horas para a entrega da ordem do dia a “todos os membros do órgão” em reuniões não públicas (artigo 18º/2), mas sabe-se que se trata da fixação de um prazo mínimo, que contempla todos os casos, nomeadamente aqueles em que não se justificaria um prazo mais alargado, como o das instituições em que não está prevista ou nem é admissível a presença de público (hospitais, segurança social, etc.).
Também fala em 48 horas de antecedência, pelo menos, sobre a data da reunião, no caso das reuniões públicas, para garantir o conhecimento aos interessados dos dias, horas e locais de realização da reunião (artigo 20º/2).
Como é sabido, as disposições e prazos do CPA são, em geral, supletivos, o que significa que valem como definitivos se uma lei específica não dispuser de forma diferente. Por outro lado, quando diz que um prazo deve ser, “pelo menos” de tantos dias ou horas, o Código estabelece definitivamente um prazo mínimo e tal significa que proíbe a definição de prazos inferiores a esse, mas autoriza o estabelecimento de prazos superiores ao mesmo.
6. Aqui chegados, é importante perceber que a conjugação dos vários artigos em causa permite discernir duas situações que são ou podem ser independentes, mas que são habitualmente tomadas como dependentes e simultâneas: uma coisa é a marcação ou convocação das reuniões, outra coisa é o envio da ordem do dia e demais documentação.
Por motivos práticos, as duas situações são regularmente associadas e praticadas em simultâneo, mas a leitura da lei permite entender que elas poderão ser praticadas em separado e, nalguns casos, terão mesmo de o ser. É o que se passa quando a Câmara delibera marcar a periodicidade e os dias e horas das reuniões (artigo 62º, da LAL; supra, artigo 2º, n.º 3). É claro que, se o respectivo edital, com esta deliberação, for publicado em Janeiro, não é possível entregar as ordens do dia de todas as reuniões até Dezembro ou até ao final do mandato…
Estas considerações ajudam a perceber que uma coisa é deliberar sobre periodicidade e mesmo sobre dias e horas das reuniões; outra coisa é deliberar sobre a antecedência do envio das ordens do dia e dos documentos a elas inerentes.
7. O actual Regimento apenas estabelece a periodicidade semanal (além dos prazos de envio da ordem do dia e da documentação, que vimos acima), não fixando dia e hora das reuniões, antes dizendo que eles serão “previamente fixados” e podem ser alterados, desde que a alteração não ultrapasse os três dias da data inicialmente fixada. Em tal caso, os membros da Câmara deverão ser avisados com dois dias de antecedência (artigo 1º do Regulamento).
Mais uma vez, não se pensou no público interessado.
8. Quer dizer, tanto quanto é possível discernir, nada, nem no CPA, nem na LAL, impede a Câmara de fixar prazos mais alargados para a convocação e distribuição da ordem do dia e documentos correlativos.
Aliás, parece que a Câmara já entendeu isso mesmo, quando estabeleceu o prazo de 5 dias, para o caso dos documentos “estruturantes”, e de 30 dias, para o anúncio de convocação das reuniões trimestrais descentralizadas.
O razoável seria um prazo geral de 5 dias e um de 10 dias para os documentos ditos ”estruturantes”, mantendo o de 30 dias para as reuniões trimestrais descentralizadas.
3. Artigo 4º
1. O n.º 1 deste artigo é inútil, visto que a previsão já existe no n.º 1 do artigo 1º. O facto de este artigo 4º/1 falar de “reunião ordinária”, ao contrário do artigo 1º/1, que fala de “reuniões” não adianta para a discussão, porque se sabe que o artigo 1º, ao mencionar reuniões semanais, só pode estar a referir-se a reuniões ordinárias, não só por força da lei (artigo 62º/1, da LAL), como pela lógica conhecida e excludente da noção de “reuniões extraordinárias”: elas não são semanais, mensais ou anuais, são fora de periodicidade.
2. O n.º 2 deste artigo prevê, na primeira e terceira reuniões de cada mês, um período de intervenção do “Público”.
O artigo 6º, sobre “Período de Intervenção do Público”, tanto nesta sua epígrafe, como no seu n.º 1, igualmente se refere ao conjunto de assistentes das reuniões a que se chama público como “Público”, assim, com maiúscula (suponho que não se trata de nenhuma exigência do acordo ortográfico).
Não sei a que se deve esta conspícua reverência por essa entidade abstracta, fácil de adular e de manipular, mas eu preferia que o texto do Regulamento demonstrasse por ela, ao invés, o verdadeiro respeito a que os órgãos administrativos estão obrigados, quando devem “prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” (CPA, artigo 4º).
É fora de dúvida que o direito à participação (artigos 9º, 48º a 52º, 65º/6, 66º/2, 72º/2, 73º/1, 77º, 109º, 225º/2, 263º, 265º, 267º, entre outros, da CRP, e artigos 7º e 8º do CPA) assim como o direito à informação (artigos 20º, 37º, 267º/1, 268º/1 a 3, entre outros, da CRP, e artigos 61º a 65º do CPA) são direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
3. Há, sobretudo, que ter em conta o disposto no artigo 84º, nº 5, da LAL:
5 - Nas reuniões mencionadas no n.º 2 (reuniões públicas dos órgãos executivos), os órgãos executivos colegiais fixam um período para intervenção aberta ao público, durante o qual lhe serão prestados os esclarecimentos solicitados.”
Tanto quanto se pode perceber, a lei não prevê nenhuma restrição deste período aberto ao público (com p minúsculo) a apenas algumas das reuniões públicas: diz, com simplicidade, que nas reuniões públicas haverá “um período para intervenção aberta ao público, durante o qual lhe serão prestados os esclarecimentos solicitados”.
4. Ora, restringir a participação dos cidadãos, pelo menos nas reuniões da Câmara, a duas reuniões mensais, sobretudo se lhe associarmos a fórmula bastante redutora dessa participação, constante do artigo 6º (que já veremos) não me parece que constitua o devido respeito pelos direitos à participação e à informação dos cidadãos. Porque nestas matérias, como em muitas outras, a quantidade facilmente se transmuda em qualidade e a falta dela em falta de qualidade. Isto é, não basta dizer que, de qualquer modo, os interessados sempre poderão participar em duas reuniões – e isso é participar – porque o que é exigível é que os órgãos públicos garantam a máxima quantidade e qualidade de participação possíveis.
Por conseguinte, o exigível, neste caso, é que a participação dos cidadãos se estenda a todas as reuniões públicas.
5. Há um outro ponto, neste artigo 4º, porventura ainda mais questionável do que a restrição de participação do público nas reuniões da Câmara. É o facto de o n.º 3 prever que as reuniões extraordinárias poderão realizar-se à porta fechada, quer dizer, inteiramente vedadas a qualquer participação pública.
O artigo 20º do CPA, que se intitula “Reuniões públicas”, começa por dizer que “As reuniões dos órgãos administrativos não são públicas,” assim estabelecendo uma regra geral, mas acrescenta logo de seguida “salvo disposição da lei em contrário”. Depois, no n.º 2, trata da publicidade da respectiva convocatória, que já vimos (supra, artigo 2º, n.º 5.) e fá-lo com a devida minúcia.
A disposição legal em contrário consta hoje do artigo 84º da LAL, que diz, no que agora nos interessa:
“1 - As sessões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas.
2 - Os órgãos executivos colegiais realizam, pelo menos, uma reunião pública mensal.”
6. Este artigo 4º do Regimento é ambíguo, a este respeito, porque nunca diz que as reuniões ordinárias semanais são públicas, apenas admite que, em duas delas, haverá “um período de intervenção do Público” (com maiúscula) (artigo 4º/2).
Felizmente, o artigo 10º/1 vem desfazer o equívoco, dizendo que “Todas as reuniões ordinárias são públicas”.
Deste modo, o Regimento não mantém uma interpretação daquele n.º 2 do artigo 84º da LAL que era a tradicional, e que ainda muitos defendem, de que, no actual quadro legal, que acabamos de ver, as Autarquias Locais apenas são obrigadas a realizar uma reunião ordinária pública mensal, podendo realizar todas as outras que entenderem, mas sempre de carácter privado (interpretação literal do artigo 84º/2), de modo que as extraordinárias, que podem existir ou não, poderão ser públicas ou à porta fechada, consoante a deliberação do executivo ou do seu Presidente, se aquele não se pronunciar.
7. Este entendimento permite que se interprete o carácter público das reuniões da pior maneira, como sendo um atributo meramente folclórico, de cariz mediático e colorido politiquês e não uma necessidade de funcionamento genuíno e claramente democrático dos órgãos administrativos, como a Câmara.
Isto quer dizer que o actual Regimento, embora aceite o carácter público das reuniões ordinárias, limita o seu âmbito de utilização pelo público (quero dizer, pelo “Público”) a duas dessas reuniões.
Por outro lado, mantém a concepção de reuniões extraordinárias públicas ou privadas, consoante o que for deliberado ou decidido.
8. Esta interpretação corresponde parcialmente àquela que tem vindo a formar-se, sobretudo a partir da expansão das noções de cidadania e de participação cidadã, segundo a qual o que é preciso é incrementar a participação massiva do maior número possível, para defesa dos direitos dos cidadãos, mas agora e sobretudo, para defesa das instituições, que, sem aquela participação, correm o risco de ser gradualmente esvaziadas de representatividade e de efectivo poder (a começar nas eleições gerais e a acabar nas deliberações das Juntas de Freguesia ou das Misericórdias ou das sociedades recreativas).
A interpretação alargada, com todas as reuniões públicas e com intervenção do público em todas elas, é agora a prática de um já grande número de executivos, municipais e paroquiais, que de há muito vêm abrindo as suas reuniões ao público e à efectiva intervenção dele.
Não me parece que a restrição seja de manter.
9. Há um último ponto, desta questão, que deve ser assinalado. É defensável e muito desejável que os órgãos da mesma Autarquia tenham comportamentos e regulamentação semelhantes, isto é, cuja coerência seja entendível pelos cidadãos eleitores, simples munícipes ou até só pessoas de passagem, ainda que sejam salvaguardadas as naturais diferenças que advêm da composição e das funções de cada órgão.
No Regimento da Assembleia Municipal de Valongo, o artigo 22º é dito:
“As reuniões da Assembleia Municipal são públicas”.
Mais adiante, o artigo 42º dispõe:
“1. Em cada sessão ordinária da Assembleia Municipal haverá um período de intervenção aberta ao público, durante o qual lhe serão prestados os esclarecimentos solicitados. (…)
3. Os cidadãos interessados em usar da palavra terão de antecipadamente fazer a sua inscrição junto da Mesa, com indicação sumária do assunto ou assuntos, e esta ordená-los-á por ordem de formulação do pedido”.
10. O cidadão comum terá dificuldade em perceber porque é que, sendo as reuniões do órgão deliberativo e as da Câmara todas públicas, a Assembleia permite que em todas as suas reuniões os cidadãos façam as perguntas que entenderem e a Câmara só o permite em duas reuniões por mês.
Não se argumente com a quantidade de reuniões da Assembleia e da Câmara. É um mau argumento, porque é usado ao contrário: a participação efectiva é aquela que se exerce sempre que é possível fazê-lo e é nesse sentido que os órgãos devem utilizar as suas competências.
4. Artigo 6º
1. Aceito, por me parecerem razoáveis, as formulações dos nºs 2, 4 e 5. Já me parecem questionáveis ou muito questionáveis as formulações dos nºs 1 e 3.
É questionável que o período regra de intervenção do público (perdão: do Público) seja de apenas 15 minutos, ainda que prorrogável por mais 15, o que coloca desde logo um problema de fundamentação de tal decisão (que cabe ao Presidente?), coisa sempre a evitar, quando possível, como é no caso. Acho preferível estabelecer logo um período único, por exemplo de 30 minutos, que impede eventuais arbitrariedades do Presidente (quem quer que ele seja).
Exemplo: artigo 42º/2 do Regimento da A. M.:
“O período de intervenção do público não excederá 30 minutos e ocorrerá no início das sessões, salvo se outro momento for decidido pelo Plenário”
2. Por outro lado, atribuir apenas 5 minutos para a intervenção de cada munícipe poderá, em certos casos, em que se justifica o contar da história que explica o porquê da pergunta, ser demasiado escasso. Ora, se o período de intervenção for de antemão estabelecido e fixo (por exemplo, 30 minutos), tal permite ratear o tempo disponível pelos eventuais inscritos, ainda que fixando um tempo de intervenção mínimo, digamos, de 3 minutos, e, talvez, por motivos de razoabilidade e bom senso, fixando igualmente um tempo de intervenção máximo, digamos de um terço do tempo disponível.
Exemplificando: Se estiverem inscritos um, dois ou três cidadãos, cada um disporá de 10 minutos; se forem 4, cada um terá 7,5 minutos; se forem 5, terão 6 minutos; se forem 7, só poderão falar durante 4, 28 minutos; se forem 8, disporão de 3,75 minutos; se forem 9, só terão 3,33 minutos; sendo 10, terão o limite mínimo de 3 minutos.
Pode ainda conceber-se a possibilidade de alguns prescindirem do seu tempo, no todo ou em parte, em favor de outros mais necessitados, desde que o façam antes da reunião e entre eles.
Este sistema, além de possibilitar intervenções mais cuidadas, no caso de haver poucos inscritos, permitiria a intervenção de até 10 interessados, enquanto o sistema previsto não permite mais do que 6, sempre limitadas aos 5 minutos.
3. Quanto à matéria do n.º 3, tenho dificuldade em perceber a razão de um procedimento tão burocratizado, quando o interessado não pretende uma resposta imediata ou sabe mesmo qua resposta deverá ser política ou, pelas circunstâncias, não poderá ser imediata.
Em tal caso, e mais uma vez, parece-me preferível o sistema adoptado pelo Regimento da Assembleia Municipal:
“Os cidadãos interessados em usar da palavra (“não pretendendo obter resposta”) terão de antecipadamente fazer a sua inscrição junto da Mesa, com indicação sumária do assunto ou assuntos, e esta ordená-los-á por ordem de formulação do pedido” (artigo 42º/3).
5. Artigo 8º
Há um erro na última palavra do n.º 4: a palavra correcta é “precedido”, não procedido.
6. Artigo 9º
1. Não se percebe o n.º 2 -- que impõe a junção e acompanhamento das declarações de voto às deliberações que se destinem, sob a forma de pareceres, a enviar a outras entidades -- porque ele faz supor que as demais deliberações não serão acompanhadas das respectivas declarações de voto. Pergunta-se: em tais casos, para que servem elas?
Este entendimento distorce completamente o sentido e a completude de uma deliberação: ela só é inteira e perfeita quando acompanhada pelas respectivas declarações de voto. Só assim é possível saber, na maioria dos casos, a razão da votação daquele modo e o seu verdadeiro sentido político e mesmo jurídico. As declarações de voto podem ajudar a manter ou a destruir uma deliberação votada por maioria, quando indiciarem irregularidades sindicáveis.
2. Vejamos um exemplo: a célebre deliberação de 2008 sobre a proposta de interesse público municipal, que foi votada favoravelmente por dois vereadores, enquanto ou restantes sete se abstiveram. Parece ser claro que, independentemente da discussão sobre a proposta, registada em acta, o verdadeiro sentido da deliberação aprovada se obtém de texto dela, mas também, e com acrescida força, das declarações de voto apresentadas.
Pretender que estas deliberações, que não têm de ser enviadas a terceiros como pareceres, podem ser desacompanhadas das respectivas declarações de voto é fomentar uma política de desleixo burocrático e, bem pior do que isso, uma prática de sistemático extravio das declarações consideradas incómodas, pelos sempre existentes e zelosos censores.
3. Por isso, a ideia de que umas deliberações serão acompanhadas pelas declarações de voto e outras não parece-me tão peregrina como deslocada. Aliás, talvez seja esta ideia, já ancorada numa prática antiga, que explica o facto de que, sempre que a Câmara envia documentos solicitados que contêm anexos, estes nunca vêm juntos. Os zelosos funcionários encarregam-se de os fazer desaparecer.
Pelo que julgo que o n.º 2 do artigo 6º deve ser eliminado ou reformulado, para dizer o contrário: que, em todos os casos, as declarações de voto devem acompanhar as respectivas deliberações.
7. Artigo 10º
Referi o que sobre ele penso no artigo 4º, n.º 6.
Montemor-o-Novo, 12 de Abril de 2012
Nota Final (do blogger):
Obviamente sou parte (especialmente) interessada no artigo 6º do Regimento - aquele que se refere às intervenções do público - e tendo em conta que a oposição teve aqui condições excepcionais para fazer um excelente trabalho - por ter maioria na Câmara e por de certa forma já se ter comprometido no passado em contrariar tudo o que de errado se encontrava vertido no anterior, visando afastar - como de certa forma foi conseguido - os cidadãos da sua participação nas reuniões públicas que agora são semanais, não se vislumbra um pingo de lógica que estes mesmos cidadãos de Valongo tenham nesta questão específica, direitos tão desiguais: nas reuniões públicas dos executivos das Juntas, nas Assembleias de Freguesia e na Assembleia Municipal, parece imperar o bom senso e o equilíbrio, no da Câmara, lamentavelmente, foram mantidas algumas sequelas do passado.
- Porque por um lado, o público não pode ir às quatro reuniões de Câmara, com direito de intervir em duas e de apenas ajudar a "compor o ramalhete" nas duas restantes.
- Porque não se justifica, que naqueles casos em que os cidadãos não pretendam obter resposta na própria reunião, tenham mesmo assim de se inscrever com antecedência mínima de meia hora - siga-se o exemplo da Assembleia Municipal!
Eu sei que o que se pretendeu de facto - mas que está escondido nas entrelinhas - foi fazer contenção de "danos" e travar alguma - imaginária, mas parece que mesmo assim, preocupante - aleivosia de experimentar, ainda que de forma perfeitamente incipiente, uma das muitas formas de Democracia: a Democracia directa, onde o povo diz de viva voz e não por interpostas e às vezes pouco esclarecidas pessoas, aquilo que considera ser necessário dizer.
Esta alteração do Regimento, não passa por isso - e lamentavelmente - de um fraco upgrade, ou dito de outra forma, uma emenda (quase) pior que o soneto!