CRONOLOGIA DA VIOLÊNCIA
O homem é um ser social que ao interagir com o seu semelhante, provoca reacções - amigáveis umas, de indiferença ou hostis outras.
Um acto amistoso é retribuído com outro acto amistoso, um acto hostil obtém retorno equivalente. Só a indiferença pendularmente reciproca, é neutra e socialmente parasitária.
A cada acção, corresponde por isso uma reacção, a qual por sua vez, induz 'valor acrescentado' numa nova acção e potencia o retorno de uma inevitável reacção superior à primeira - com excepção como já vimos, do comportamento relacionado com a indiferença.
Parece um pouco confuso, mas a cronologia dos comportamentos sociais gira mais ou menos em torno destes pressupostos.
No caso particular das reacções de tipo violento, se não pararmos este perigoso ciclo vicioso, o mais certo é que estas, que numa primeira fase podem ser ainda relativamente contidas, acabem por degenerar rapidamente em conflito descontrolado.
Mas não há hostilidade que magoe mais, do que aquela que nos chega de forma inesperada, imerecida, indesculpável, inexplicável, da parte dos amigos imaginados, porque declarados, porém objectiva e comportamentalmente não confirmados e é esta a que mais rapidamente pode evoluir para a tal fase seguinte.
Quando a contrafacção alastra dos bens de consumo ao terreno das amizades, quando 'espreitamos' o interior daquele suposto amigo de sempre e nos deparamos com a deprimente etiqueta made in não sei quantos, ficamos sem chão, descremos do mundo, descremos - se é que ainda críamos - de um suposto ordenamento divino e instala-se na nossa mente um vazio que dói, uma desilusão que nos seca por dentro, uma revolta que nos suga os últimos resquícios de bondade, transfigurando-nos, trasformando-nos num 'outro eu' tão letal como o 'outro' que deu início à reacção em cadeia.
Nada como a traição - e só os amigos traem - é susceptível de gerar tão fortes reacções de violência.