DESPENALIZAÇÃO, REFERENDO & DEMAGOGIA...
Ontem, dia 4 de Dezembro e num dos meus raros momentos disponíveis para ver televisão durante o dia, apanhei uma parte do programa da Igreja Católica - Eclesia - transmitido pelo Canal 2 da RTP.
O formato era a entrevista e a entrevistada (vejam só) uma mulher, pelo que percebi, responsável por uma Instituição particular de apoio a mulheres grávidas...
Muitas referências ao trabalho desenvolvido, que me pareceu meritório e merecedor de todos os elogios, críticas à falta de apoios, nomeadamente por parte do Estado, que também me pareceram justas, garantias de tudo continuar a fazer, para responder à procura de ajuda por parte de muitas mulheres grávidas em desespero, com vontade de levar a gravidez por diante, mas muitas vezes sem o mínimo de condições para o conseguir sem essa ajuda...
Até aqui, totalmente de acordo. Uma gravidez, quando não planeada, ou resultante de situações em que a vontade nem sempre está presente, mas que tendo acontecido, é assumida e passa a representar um objectivo da mulher, tem de ser sempre inteiramente apoiada!
O pior, foi a tirada seguinte da distinta entrevistada:
" ...o aborto, nunca! A mulher tem que ser em primeiro lugar, responsável na sua sexualidade por forma a evitar uma gravidez não desejada, mas se ela acontece, já não lhe cabe a ela decidir..."
"...porque a nova vida que gerou, é autónoma e tem direitos próprios..."
"...porque em última instância, nunca poderia ser só a mulher a decidir (e então o pai?)..."
"...porque o que vai acontecer, é que vai disparar, o negócio das clínicas privadas..."
"...se o Estado, em vez de subsidiar as Clínicas e Hospitais que vão fazer abortos, nos desse esse dinheiro, se calhar poderíamos apoiar todas as mulheres grávidas em dificuldades ..."
E a senhora simpática, bem falante de rosto fresco e bem maquilhado continuou a discorrer, aparentando agora um total desfasamento relativamente ao verdadeiro drama, vivido essencialmente pelas mulheres e quase sempre em completa solidão, quando confrontadas com uma gravidez não desejada, muitas vezes até, imposta de forma violenta...
Se não fosse católico e uma pessoa minimamente atenta e informada, ficaria com a ideia, que a senhora e a Igreja Católica são contra Despenalização, porque disponibilizam às mulheres, todos os meios de informação e ajuda para que a gravidez não desejada não possa acontecer...
Pensaria por exemplo nos vários métodos contraceptivos (incluindo o uso do preservativo) aconselhados pela Igreja...
Mas sou católico e informado e conheço a posição da Igreja, desde logo, em relação ao preservativo, mesmo no que à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis se refere...
E depois, a senhora não falou, porque politicamente incorrecto, no problema das adolescentes grávidas, meninas e mães ao mesmo tempo, sem o desejarem minimamente e quase sempre sem fazerem sequer ideia de como tudo aconteceu ...
Como não falou no drama daí resultante, dos avós que sem o desejarem, passam a ser "pais" do neto, enquanto a mãe continua os seus estudos e a viver a sua vida de adolescente...
(Eu que trabalhei num Hospital Pediátrico, convivi no meu dia-a-dia, com muitos destes dramas: Os avós a acompanharem o neto internado enquanto a jovem mãe ia namorar ou divertir-se um pouco, como é normal nas jovens do seu escalão etário...)
E depois, confesso que me desagradou, ver num programa da minha Igreja Católica, fazer uma abordagem tão demagógica deste problema:
O que está em causa, não é o incentivo ao aborto, mas sim a sua despenalização no sentido de colocar em pé de igualdade a mulher rica que vai a Espanha fazer a interrupção da gravidez e a pobre, que actualmente, só pode recorrer à ajuda criminosa de alguém sem escrúpulos, num qualquer vão de escada...
E este processo, não invalida, nem pode, que se disponibilize às mulheres grávidas toda a informação, todo o apoio e ajuda com vistas a uma gravidez, que apesar de todas as condicionantes que possam existir, elas desejem prosseguir!
Por isso, o que eu desejo (e julgo que como eu, a maioria dos portugueses) é que todo o processo que antecede o referendo, seja vivido de forma empenhada e militante pelos dois lados da trincheira mas sem demagogia e sobretudo, sem colocar rótulos às mulheres que quantas vezes ao longo da sua vida, é possível encontrar episodicamente de um ou outro lado dessa mesma trincheira sem que isso represente qualquer alteração da sua forma de pensar!