UM ESPAÇO ONDE ESCREVEREI SOBRE TUDO, SOBRETUDO, SOBRE TUDO QUE SEJA CAPAZ DE CAPTAR A MINHA ATENÇÃO.
UM ESPAÇO ONDE O LIMITE NÃO LIMITA - APENAS DELIMITA.
UM ESPAÇO ONDE ESCREVEREI SOBRE TUDO, SOBRETUDO, SOBRE TUDO QUE SEJA CAPAZ DE CAPTAR A MINHA ATENÇÃO.
UM ESPAÇO ONDE O LIMITE NÃO LIMITA - APENAS DELIMITA.
Nos teus olhos a negação pode até ser percalço mas nunca opção porque a minha reflexa reacção transforma o teu não onde adivinho indecisão em lenta degustação em deleitada fruição em contida mas agora consentida progressão.
Palpação avaliação a clara percepção da tua palpitação diagnostico e prescrevo a medicação e porque o não nunca foi a opção contendo-me contendo-te e prolongo o tântrico momento num século de tântrica interacção.
E finalmente a ignição a explosão a combustão um minuto mil minutos um milhão alimentada até à exaustão.
Ou não que a extinção nunca pode acontecer enquanto permanecer o triângulo de fogo onde a combustão só terá o seu fim quando um dos componentes morrer de inanição.
E pode até ocorrer uma irreversível evolução da triangular combustão para a tetraédrica reacção onde será o claro excesso quem determinará a extinção e apenas no fim de todo o encadeado processo.
E sendo assim mesmo que persistisse já não teria importância a opção entre o teu sim ou o teu não nem importante seria a inicial ambivalência entre o percalço e a assumida opção.
Uma abordagem poética sobre a definição conceptual da química do fogo (a minha 'costela' de formador na prevenção de incêndios...)
Poema de Jorge de Sena (in "Metamorfoses", 1963; "Antologia Poética", págs. 108-111, Porto: Edições Asa, 1999)
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso. É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural. Um mundo em que tudo seja permitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós. E é possível que não seja isto, nem sequer isto o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo. Um dia sabereis que mais que a humanidade não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de insólito, de livre, de diferente, e foram sacrificados, torturados, espancados, e entregues hipocritamente à secular justiça, para que os liquidasse com «suma piedade e sem efusão de sangue». Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória. Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido. Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos. Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer aniquilando mansamente, delicadamente por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus. Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha há mais de um século e que por violenta e injusta ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor. Mas isto nada é, meus filhos. Apenas um episódio, um episódio breve, nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) de ferro e de suor e sangue e algum sémen a caminho do mundo que vos sonho. Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. É isto o que mais importa – essa alegria. Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá. Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero. Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia – mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga – não hão-de ser em vão. Confesso que, muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável. Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado? Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã». E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é só nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.
Lisboa, 25-06-1959
PS: uma excelente sugestão do meu querido amigo Castro Neves, à qual eu acrescentei o saudoso e inimitável declamador Mário Viegas...
Um poema que tem tantos pontos de toque com a nossa realidade actual!
Esta é (apenas) uma das muitas imagens que ilustram hoje as páginas de muitos Jornais, que desassossegam muitas consciências que alarmam muitos governantes e que - embora a estes não lhes convenha reconhecê-lo - incomodam também muitos dos que se perfilam na linha de sucessão para aceder sem grandes pressas ao "pote".
Pelas ruas deste País adiado, desfilaram "licenciados" em caixas de supermercado (e os pais deles), "licenciados em call center (e os pais deles), "licenciados" em filas dos centros de emprego (e os pais deles) "licenciados" em estágios profissionais não remunerados (e ainda e mais uma vez, os pais deles também).
Do outro lado, assistindo da tribuna refastelados na cadeira do poder - uma gigantesca estrutura "multiplataformas" de "engorda", ligada ao Povo através de uma complicada ramificação de cateteres por onde flui o "alimento" para esta cambada de sangessugas vorazes que nunca está saciada e que mesmo na véspera do protesto, reclamou mais uma transfusão reforçada do mesmo.
Também estes, "licenciados", "doutorados" e "pós graduados" - em exames "via fax", em diplomas assinados ao domingo, em "freeportes" em "faces ocultas" e noutras tantas malfeitorias...
E porque isso lhes convinha, ouvimo-los em todos os canais de televisão e também na rádio a fazerem apelos (!) estranhos aos Partidos da esquerda, para que soubessem controlar as possíveis infiltrações de "provocadores" no seio dos manifestantes - não fossem os protestos ganharem demasiada força e descambarem para situações semelhantes às do Egipto, da Líbia e de outros Países onde o Povo começa (finalmente) a acordar...
Já se aperceberam, é que nesta nova era da Internet e das redes sociais, as manifestações já não são como aquelas que eles se habituaram a promover ou a enfrentar até há pouco: Os "facebook", os "twitter" e outros meios alternativos, permitem saltar etapas, encurtar distâncias, contornar burocracias, baralhar ou surpreender os "SIS" - e apanhá-los literalmente "com as calças na mão"...
E na circunstância, ocorre-me o que disse a propósito o poeta Egito Gonçalves no seu poema:
Com palavras (*)
Com palavras me ergo em cada dia! Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto E saio para a rua. Com palavras — inaudíveis — grito Para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios. Possuímos arquivos, sabemo-las de cor Em quatro ou cinco línguas. Tomamo-las à noite em comprimidos Para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua. As mais puras transformam-se, violáceas, Roxas de silêncio. De que servem Asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas; As que seivam o amor, a liberdade... Engulo-as perguntando-me se um dia As poderei navegar; se alguma vez Dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras: Com elas eu me deito, me levanto, E faltam-me palavras para contar...
Por vezes mergulhamos tão fundo e tão intensamente, que só por milagre não nos afogamos - no mar, na força da rebentação das suas ondas ou no amor e no travo agridoce que cada momento nos deixa no corpo e na alma no final de cada mergulho.
Por isso é que quando as circunstância da vida nos obrigam a abdicar - ainda que seja apenas temporariamente - do usufruto de algum desses prazeres, damos por nós assim: nostálgicos, abúlicos, com esta vaga e quase inexplicável sensação de perda...
(Escrevi sobre isto de uma outra forma no meu outro espaço - Terra Molhada)
Como é ténue por vezes a linha de separação entre os dois conceitos!
Um grão de areia é tão minúsculo e insignificante - quase nada - que para o sentirmos sob os nossos pés tem de se juntar a muitos outros, ganhando então o estatuto de areia!
Porém, mesmo sozinho, minúsculo e insignificante, ele agiganta-se e pode bem fazer a diferença - pode afinal ser tudo o que não deve existir - para que uma engrenagem continue a funcionar sem avarias!
Escrevi sobre isto de uma outra forma no meu outro espaço