A OSTENSIVA ALEGRIA DE UMA NOITE DE EXCESSOS...
Deveriam representar desejos de "bons augúrios" as festividades de ontem (hoje). Quase sempre é esse o sinal que queremos que passe, quando in-loco ou em "diferido" nos embevecemos com as manifestações nossas ou dos outros e onde gastamos às vezes aquilo que nos faltará ao longo do ano que começa. Em escassas horas de efémera alegria, esbanjamos em menor ou maior grau, aquilo que a muitos - cada vez mais - já ontem faltava e hoje continuarão a não ter.
Cada foguete que subia no ar e se dividia em "pétalas" de mil cores um pouco por todas as grandes cidades e lugarejos deste pequeno rectângulo Europeu que integra aquela parte que já se vê obrigada a andar de "tanga" em pleno inverno, era menos uma refeição, alguns copos de leite, um "pão com pão", um prato de básica mas aconchegante sopa quente, para uns quantos milhares de portugueses ou se quisermos alargar um pouco, para milhões de cidadãos do mundo onde o que mais "abunda" é aquilo que não há.
Cada hora de alegria regada por uns quantos, com champanhe de verdade e por outros muitos (mais comedidos ou menos abastados) por espumante nacional, representou meses, se calhar o ano inteiro de privações e de ausência do direito a uma cidadania plena de milhões.
Dizem-me que o País também vive do turismo - a Madeira, essa até já quase só respira turismo - e que este, que nos chega de terras longínquas, parece que exige que finjamos a alegria que não temos.
Garantem-nos os promotores dos exageros, que os turistas só virão se afivelarmos o sorriso mais plastificado que conseguirmos rebuscar no fundo da nossa tristeza. Não sei se é mesmo assim, ou se é apenas a nossa vã tentativa de nos desculparmos perante os outros, da nossa alegria quase "pornográfica" em pleno pico do sofrimento dos nossos vizinhos, dos nossos amigos, dos nossos familiares, dos nossos conterrâneos...
Mesmo assim e enquanto uma parte olhou durante algumas horas de forma alternada, para os respectivos umbigos e para o brilho das efémeras estrelas do artifício dos pirotécnicos, existiu uma outra significativa e honrosa parte, embora minoritária, que voltou os olhos para para baixo, para a terra, para os sem sorriso, os sem alegria, os sem tudo e repartiu com eles a parte daquilo de que abdicaram - comida, calor humano, ajuda, convívio fraterno.
Inúmeros voluntários, mas também muitos profissionais da ajuda, não tiveram Natal nem Ano Novo - por auto imposição ou obrigação contratualizada - mas sempre de forma empenhada e solidária. Gente que se esqueceu da exigência (inventada) dos turistas que nos querem sempre em festa para continuarem a visitar-nos. Gente que não afivelou sorrisos de plástico, mas os trouxe sempre postos de forma espontânea e catalisadora.
Não existem notícias sobre algum turista afugentado por este tipo de comportamentos "fora do comum" em momentos destes!