VALONGO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO - "...FRACO REI FAZ FRACA A FORTE GENTE"
Eu tive um sonho...
Tal como Egito Gonçalves (com Luís Veiga Leitão e Papiniano Carlos) em 1973, eu e mais uns quantos amigos quase tão ingénuos quanto eu, ousamos 'Sonhar a (nossa) Terra Livre e Insubmissa' - decorria o 'longinquo' ano da graça de 2013...
Valongo é apenas uma minúscula mancha no mapa do País mas mesmo assim, achamos que valia a pena ajudar a transformar este dormitório às portas da Invicta em terra de gente igual à gente da Cidade Grande.
Os sonhos têm sempre a dimensão de quem os sonha e a dimensão do meu foi apenas até onde a vista alcançava. Mesmo assim ainda é vasto o território de Vallis Longus, esta terra de ouro, ardósia e regueifa onde escolhi viver há quase 30 anos e da qual gosto (quase) tanto como da vizinha do lado, onde nasci e vivi a minha juventude 'pré-militar' e onde vou de vez em quando para visitar amigos de infância ou comprar Jesuítas - sim porque digam o que disserem, iguais aos da Confeitaria Moura em Santo Tirso não se fazem em lado nenhum - perdoem-me a imodéstia.
Valongo foi para mim durante cerca de 2/3 dessas quase três décadas, uma perfeita antítese de qualquer sonho que valesse a pena. Foi até em muitos momentos concretos, mais pesadelo que sonho, mas sobre isso já escrevi quase tudo o que me ocorreu oportunamente escrever.
Tudo isto para dizer que quando alguém tenta desesperadamente e durante tanto tempo - quase 20 anos neste caso - colocar distância entre o pântano que vê alastrar à sua volta de forma insidiosa e ameaçadora e a réstia de enseada - de águas límpidas, aparentemente - que de repente começa a vislumbrar na linha do horizonte próximo, é fácil 'tomar a nuvem por Juno'.
Ou dito de outra forma, o risco de confundir a 'Barca do Inferno' com uma qualquer outra barca é um risco real...
Foi o que aconteceu comigo no tal 'longínquo' ano da graça de 2013...
Pensava eu e os ingénuos que me acompanharam no 'acto de sonhar' que iríamos todos conseguir MUDAR VALONGO, que depois de termos batido no fundo, a coisa só podia melhorar.
Era verdade, mas apenas pela metade: efectivamente, ainda que não piore, existe sempre a possibilidade de a situação persistir inalterada. Foi isso que aconteceu, o que no caso específico de Valongo assume a dimensão de quase catástrofe.
Lembro-me como se fosse hoje, daquela frase soltada por um grande amigo que nos acompanhou no crédulo percurso visando pôr distância entre nós e o pântano e nos debatíamos com o dilema "embarcamos, não embarcamos" - cito-a de memória:
"... é fraquinho - referia-se ao homem que vinha ao leme da 'barca' - mas ainda não tem 'cadastro' - por comparação com os navegadores da barca do pântano...
Tinha razão. Era (é) fraquinho o timoneiro...
E como escreveu o grande Camões no Canto III, estrofe 138 dos Lusíadas, "...fraco Rei faz fraca a forte gente".
Apesar da urgência da saída para espaço aberto e águas mais profundas, tem persistido em manter-se entre margens e nas águas turvas do canal, entretido numa estéril sequência de pequenas regatas com muitos floreados, que podendo encher o olho às gentes que lhe admiram a destreza, não o conduzem a lado nenhum e muito menos a bom porto.
Aplausos entusiásticos lhe prodigalizam os basbaques e mais alguns profissionais das 'palmas coreografadas' à mistura. Bolina! bolina! lhe gritamos nós, tentando que nos ouça no meio do encenado coro que é música para os seus ouvidos.
Ingénuos talvez, ainda mantínhamos uma réstia de crédito nas suas boas intenções iniciais, mas tal como a areia fina da ampulheta, também o nosso benefício da dúvida se esgotou rapidamente, determinando o fim de um ciclo - um fim que não tem mais princípio, porque é o fim de um sonho e não há nada de mais violento e irreversível do que o 'assassinio premeditado' de um sonho!